Depois da publicação do "A Garota Vermelha" eu recebi algumas críticas construtivas sobre alguns aspectos do conto e por isso resolvi concertar e relançar o conto como uma "versão estendida". Tem coisas novas? Sim, alguns parágrafos que suprem os furos e problemas apresentadas na primeira versão.
Essa versão será a que eu usarei para publicar em outros sites, além do meu blog. Eu postei do Wattpad recentemente. Clique aqui para dar aquela força. Enjoy.
A GAROTA VERMELHA
***
Encaro a porta por alguns
segundos. Não tenho coragem de abri-la. Não estou pronta para encarar o que há
lá embaixo, no porão.
Tudo
começou quando minha mãe morreu. Meu pai ficou arrasado e se trancou em seu escritório
por dias. Eu também sofria muito e queria ter meu pai do meu lado naquele
momento, mas ele parecia estar evitando o contato. Depois de alguns dias ele
saiu. Parecia ter finalmente aceito, mas não... Suas marcas negras abaixo dos
olhos mostravam que o luto havia se entranhado em sua pele.
Depois
de alguns dias uns homens estranhos começaram a aparecer em casa e conversavam
com meu pai no porão. Num dia eu fui tentar ouvir sobre o que eles conversavam,
mas fui pega. Meu pai, já vermelho de raiva me mandou para meu quarto e disse
que conversaríamos depois. Pensando agora, eu nunca devia ter tido aquela
conversa com ele.
Meu
pai parecia um maluco falando. Carregava consigo um livro marrom velho, cheio
de poeira. Quando chegou ao meu quarto começou a explicar mostrando as figuras
nas páginas amareladas do livro. Ele pensava que poderia reviver minha mãe, como num passe de mágica, disse ele,
quanto tentei pegar o livro para ver melhor ele bateu em minha mão.
A vida da sua mãe depende disso, disse
ele. Depois daquilo eu nunca mais tentei tocar naquele livro.
Meu
pai largou seu emprego e passou a se trancar em nosso porão, com seus amigos
estranhos por quase todos os dias. Eu ia à escola, mas sentia que tudo aquilo
não fazia mais sentido. Meu pai não falava mais comigo, não me olhava nos
olhos... Não sorria mais.
Depois
de algumas semanas ele disse que eu devia me preparar, porque teria minha mãe
de volta no dia seguinte.
E
cá estou eu, temendo pelo que meu pai está tentando fazer. Pesquisei na
internet e lá eu li que é impossível reviver alguém, mas como é impossível se
meu pai disse que fará?
Vesti
meu vestido de veludo negro, como ele pediu. Olho-me no espelho, mas só consigo
ver minha mãe no reflexo. Desde que ela se foi tudo mudou... Tudo mudou para
pior.
Prendi
meus cabelos ruivos com uma presilha preta. Estava pronta, seja lá para o que.
Virei-me
e tentei sair, mas a porta parecia ser de ferro. Na verdade meu corpo parecia
ser de ferro. Eu tentava me mexer, mas não tinha coragem. Não queria descer no
porão.
Mas
eu fui mesmo assim. Quando abri a porta todos estavam reunidos em circulo, em
cima de um desenho pintado no chão: Uma estrela de cinco pontas, com vários
riscos e palavras em volta deles. A luz estava apagada, o lugar era iluminado
por velas, incensos queimavam ao fundo. Meu pai estava no centro eles.
Aproximei-me para chegar perto dele e percebi que havia um caixão no centro do
círculo. Um frio correu pelo meu corpo. Olhei com certo medo para dentro.
O
corpo da minha mãe estava dentro dele. Sua pele estava cinzenta, seu rosto
magro e flácido. Uma vontade imensa de chorar me tomou, senti as lágrimas nos
meus olhos.
—
Não chore. — disse meu pai. — Você a terá de volta em breve.
Afastei-me.
Sentia certo ódio do meu pai. Como ele podia ter feito aquilo com minha mãe.
Por que ele mentia tanto? Eu sabia que ele não podia reviver minha mãe...
Ninguém podia.
Os
homens de preto mal olhavam para mim. Estavam sérios e pareciam impacientes.
—
Devemos começar, John. — disse um deles.
—
Sim, claro. — concordou meu pai. — Se afaste Rachel.
Eles
começaram a dizer algumas palavras estranhas. Meu pai fez o mesmo. Acenderam as
velas negras e mais incensos, cobrindo a sala como uma névoa densa.
Eles
repitiam aquelas frases cada vez mais alto. Estava assustada... O que eles estavam
dizendo? Passaram alguns minutos e eu só desejava sair dali correndo e me
esconder embaixo dos cobertores da minha cama.
De
repente eu vi algo estranho no meio da névoa branca. Uma pessoa de preto, ao
lado do caixão da minha mãe. Olhava para ela calmamente. No começo achei que
era um dos amigos do meu pai, mas vi que estava errada quando ele virou o
rosto, e de dentro do capuz negro eu pude ver seus olhos vermelhos, brilhando.
—
Seu pai está louco. — ouvi uma voz distante em minha cabeça, parecia daquele
ser aterrorizante. Mas era calma e acolhedora. — Ele não sabe o que está
fazendo.
—
Sua mãe está morta. — disse uma voz meio esganiçada. — Não há como
ressuscita-la. Ela não voltará, o tolo do seu pai devia saber disso.
—
Eles não são merecedores de milagres. John nunca foi um bom homem, apenas se
lembrou de Deus quando viu sua mulher morta, antes disso até zombava dele.
—
Seu pai é um monstro.
Estava
com raiva dele por estar dizendo aquelas coisas do meu pai, mas não pude deixar
de sentir uma estranha sensação. Eu concordava com algumas coisas que ele
falava.
—
Seu pai está cavando sua própria cova... Magia negra, bruxaria, não é algo que
um homem como ele desejaria se envolver.
—
Acabe com isso. — disse a outra voz. — Todos aqui são assassinos, você quer que
seu pai se torne um?
—
Não! — respondi gritando, mas nem meu pai, nem nenhum dos seus amigos
escutaram. Estavam ainda gritando aquelas palavras.
—
Seu pai é um mentiroso. Foi enganado pelos demônios, estou dizendo a verdade
para você, pequena Rachel. Sua mãe se foi, e é melhor deixar assim, você não
gostaria de ver no que ela se tornou.
—
Sua mãe não voltará. Seu pai é um mentiroso. — ouvi outras vozes repetindo em
eco.
—
Meu pai nunca mentiria para mim. — consegui dizer, já estava chorando, mas
ninguém se importava.
—
Você acha isso? — disse a voz esganiçada. — Pobre Rachel, sempre iludida e
enganada por todos.
—
Seu pai lhe contou que irá te matar? — ouvi várias vozes repetirem como um
grande eco “irá te matar... Te matar... Matar” — Pobre criança, você não merece
o pai que tem, mas quem disse que a vida é justa, por isso eu prefiro a morte.
A morte vem para todos, não há distinção para ela.
—
Meu pai não vai me matar!
—
Não me faça rir, garota burra. — a voz esganiçada parecia rir. — Olhe naquela
mesa atrás do seu pai, ele usará aquela faca para te matar.
Olhei
e senti um aperto no coração, havia uma longa faca, com a lâmina brilhante e
pontuda, lembrava aquelas adagas de filme e era enfeita com ouro e pedras
vermelhas, como diamantes rubros. Será que era verdade?
—
Pode apostar que sim, garota. — disse a voz como se pudessem ler meus
pensamentos. — Seu querido pai te enganou, ouso dizer que ele perdeu sua
sanidade. Também era de se esperar ficando sem dormir por dias. Nem mesmo nós
aguentamos isso.
—
Quem são vocês? — perguntei.
—
Gostaria de dizer que sou a Morte, mas não posso. Mas posso te dizer uma coisa,
garota. Consigo sentir o cheiro de uma morte quando se aproxima e o cheiro aqui
está bem forte.
—
Você irá morrer garota. Uma pobre criança inocente, um futuro angustiante
espera você, pior que o inferno.
—
O que eu devo fazer? — perguntei, não sabia o que estava acontecendo comigo,
mas começara a sentir raiva de todos ali. Todos aqueles amigos do meu pai, até
dele.
—
Deve matar seu pai.
—
É a sua melhor chance, se tentar correr ele te pegará e sua dor será ainda
maior. Você está cercada por inimigos, Rachel.
—
Eu não posso matar meu pai, eu amo ele.
—
Mas ele te ama? Que pai abandona a própria filha como ele fez. Ele é um covarde
egoísta, preferiu te deixar sofrer sozinha, a dor da morte da sua mãe doía
tanto em você quando nele, mas ele preferiu virar as costas para você.
—
Mate ele, Rachel. Mate ele e todos esses bruxos sujos.
—
Eu não conseguirei fazer isso, eles são muito mais fortes e grandes do que eu.
—
Nós te ajudaremos.
—
Nós te daremos força, mostre para eles que você não é a garota idiota que eles
dizem que você é.
Olhei
para meu pai e ele estava bebendo vinho em uma grande taça de vidro. Ele bebeu
e passou para um dos seus amigos.
—
Vá agora, é sua melhor chance.
Caminhei
para perto da mesa. Os cânticos continuavam, eles bebiam e passavam a taça
cheia daquele liquido vermelho.
—
Ele vai pegar a adaga para te matar, pegue ela agora.
Meu
pai se virou e foi até a mesa. Eu não conseguia acreditar naquilo, como ele
podia fazer aquilo com sua própria filha?
Corri
e agarrei a adaga antes dele, ele ficou surpreso.
—
O que você está fazendo Rachel? — perguntou já vermelho de raiva.
—
Mate ele agora.
—
Corte seu pescoço.
—
Pergunte para a mamãe. — disse por fim. Segurei o cabo da adaga com força.
Sentia meu corpo mais forte e veloz. Pulei cortando o ar. A lâmina atingiu o
pescoço dele. O ódio tomou minha mente. Eu senti o prazer do medo nos outros
bruxos. Senti a agonia das suas almas, o frio do suor que escorria pelos seus
rostos assustados. Um desejo demoníaco de matar me tomou. Mataria o mundo
inteiro se pudesse naquela noite.
O
corpo do meu pai caiu inerte, o sangue jorrando de sua garganta. Cortei mais vezes,
conseguia sentir ele se afogar com seu próprio sangue. Cortei mais vezes até a
cabeça se soltar do corpo.
Uma
luz vermelha iluminou a sala, saindo do meu pai e rodeando o caixão da minha
mãe. No alto aquele vulto flutuava no alto, deixando seu manto negro esvoaçar
num vento inexistente.
—
Seus vermes! — disse. — Vocês não podem vencer a morte. A morte é invencível e
indestrutível e sobrevém a todos.
Consegui
olhar por toda a sala, o sangue do meu corpo se equecendo cada vez mais. Havia
mais dez bruxos na sala. Alguns se ajoelhavam e faziam preces e pedidos de
misericórdia, outros estavam assustados demais para perceberem que aquilo não
era um sonho.
Cortei
a garganta da maioria com uma fúria cruel. Alguns pareciam nem resistir,
aceitando o destino que a morte havia lhes dado pessoalmente. Facadas no peito,
cortes na garganta, apunhaladas nas costas, perfurações nos olhos. Todas
assustadoramente prazerosas. Estava em uma sala cheia de corpos em meio a um
massacre, mas apenas um som vinha a minha mente.
A música do
caminhão de sorvete, o barulho dos brinquedos, os gritos e vozes das outras
crianças, tudo que remetia a uma tarde de domingo no parque, com meu pai e
mamãe sorridentes comigo. Minha mãe me beijou calmamente na bochecha, mas
percebi que aquele calor era do olho de um dos bruxos que eu arranquei em uma
das perfurações.
Quando
terminei o porão estava vermelho. Os corpos estavam no chão. Meu pai bem abaixo
dos meus pés. A taça de vinho estava caída intacta, cheio de um liquido
vermelho.
Peguei
e tomei. Não tinha o gosto de vinho, tinha o gosto de sangue.
Olhei
para baixo e vi o rosto assustado do meu pai. Sua cabeça separada do seu corpo.
—
Quer? — ofereci.
Mas
ele não me respondeu. Devia estar farto.
Sua boca agora
estava cheia daquele mesmo liquido.
—
Parabéns, Rachel. Você fez o certo nessa noite.
Cheguei
perto do cachão da minha mãe. Seu corpo sujo do sangue espirrado.
—
Ela está vendo você. — disseram eles. — Considere isso um presente.
Olhei
seu rosto e seus olhos estavam abertos. Ela sorria.
—
Parabéns minha filha. — a escutei dizer.
Ofereci
minha taça a ela.
Ela
aceitou com prazer, sorrindo, diferentemente do meu pai.
Ele é quem
deveria ter morrido, não ela.
Pensando
bem... Acho que já dei um jeito nisso.
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