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OFENSIVA BRANCA
***
A brisa gélida
continuou passando pelo meu rosto, olhei para frente contemplando a face do
homem desconhecido que havia atacado o outro homem pálido. Era alto, tinha
cabelos loiros e olhos azuis, traços finos completavam seu rosto, parecia
maduro, na casa dos trinta anos e esbanjava uma boa forma física.
Fitei-o por
alguns instantes, então ele começou a falar.
— Olá Jim, eu
tenho muitas coisas para te contar, mas não temos muito tempo. — continuei
encarando-o sem dizer nada, queria ouvir o que ele tinha a dizer. — Eu sou um
anjo, Gabriel, você já deve ter ouvido falar de mim — disse esboçando um
sorriso. — E não... não sou um louco. Os anjos existem, seres como, nós
existimos. — falou sacudindo o dedo de mim para ele.
— Seres como
nós? — perguntei completamente cético, já tinha ouvido muitas coisas estranhas,
mas nada do jeito que ele disse.
— Sim, seres
como nós. Jim você não é uma pessoa normal, digo, não é um ser normal...bem,
resumindo, você é um demônio. Mas não um demônio qualquer. — disse levantando
as mãos, como se pedisse que eu não fosse embora. — Você é um demônio especial,
o mais especial para falar a verdade. Você é o filho de Lucífer.
— Tá bom cara.
— disse me virando para ir embora — Gostei bastante dessa sua história.
Me virei e
comecei a andar, por um segundo pensei que conseguiria ir embora, mas senti uma
força sobre minhas pernas, uma força que eu não sabia de onde vinha. Ela se
tornou maior, e mais forte, até não ser possível suportar e então eu cai.
— Viu só, eu
sou um anjo Jimmy, não estou brincando. Agora escuta aqui. — A mesma força que
tinha me derrubado pareceu retornar para minhas pernas, mas dessa vez me
levantando. —Preciso garantir sua proteção. Não sei o motivo para Belial ter te
atacado assim, isso não faz nenhum sentido, já que ele é o rei do inferno, não
vejo porque te atacar.
— Ele é rei da
onde? — perguntei sem acreditar, a força que me levantou foi real, então aquela
história poderia ser real. — Você quer dizer que eu sou mesmo um demônio.
— Sim, eu disse
isso. Aquele homem que estava te sufocando, ele é Belial, mas conhecido como o
rei do inferno, pelo menos no período que Lucífer ficar preso. Se eu não
tivesse aqui, imagine só o que teria acontecido.
À tarde a cada
segundo se tornava mais noite, com seus raios alaranjados sumindo no horizonte.
O vento ficava mais gelado e forte a cada segundo, e uma brisa vinda de leste
balançou meus cabelos espalhando a neve que ainda estava presa.
Então como um
susto que uma pessoa toma, Gabriel arregalou os olhos, como se acordasse de um
horrível pesadelo durante a noite.
— Droga. —
disse fechando os olhos, parecendo se deixar levar pelas sensações que o frio
trazia. — Ele está vindo, e está com outros.
E dizendo isso
avançou de súbito.
— Vamos Jim,
corra!
***
Sem saber o que
deixava Gabriel com tanto medo comecei a correr, passando em meio ao caminho do
parque. Corria, mas a cada passo, meus pés pareciam se afundar mais na neve, me
prendendo e me deixando mais lento.
Passamos pelo
caminho e desembocamos num bosque, estava repleto de árvores brancas de gelo e
sem nenhuma folhagem, o lago ao lado, estava cristalizado, imitando exatamente
a imagem do céu.
Percebi diferentes
explosões que aconteciam atrás de mim, uma, duas, três... elas cortavam o ar
com uma brisa ainda mais gelada, fazendo a neve saltar e girar no ar.
— Não Fujam! —
gritou uma voz grossa lá de trás — Não fuja Gabriel.
Então uma pedra
de gelo, que tinha o formato de uma adaga passou zunindo a minha esquerda, indo
em direção de Gabriel. Ele percebeu, girou o corpo da esquerda pra direita, se
abaixando e se esquivando da adaga.
Mas aquilo não
acabava ali. Uma saraivada de adagas de gelo cortou o ar, zunindo em todas as
direções, como um ataque de arqueiros a um exército inimigo.
Me lancei ao
chão e não acreditei ao ver Gabriel gesticulando, girando os braços formando
uma espécie de redemoinho, que perecia se concentrar no centro, trazendo
pequenos bloquinhos de neve, gelo e folhas secas.
As adagas se
cruzaram com o bolsão de ar provocando uma explosão de vento para todos os lados,
pedras de gelo voaram descontroladas encontrando e perfurando tudo no seu
caminho, inclusive cortando a perna esquerda de Gabriel, que estendeu a mão,
tampando o local do corte.
— Malditos
demônios. — Bradou Gabriel encarando três demônios que vinham em sua direção,
usavam casacos brancos e tinham em suas mãos muitas adagas feitas de gelo. —
Partirei para cima deles, Jim. — disse voltando-se para mim. — Se eu morrer
corra para um lugar onde há muitas pessoas, eles os inibirá.
E terminando de
dizer isto, partiu correndo na direção dos inimigos. Surpresos, lançaram mais
adagas, mas talvez pelo susto causado pela abrupta corrida, erraram,
deixando-os desarmados e indefesos.
Gabriel se
lançou mirando um soco no demônio do meio, acertou em cheio o soco que vinha da
direita para a esquerda, derrubando-o na hora. Os outros saltaram para trás
tirando das capas mais adagas, mas desta vez não as lançaram, mas as usaram
como facas. Vieram os dois de uma vez cortando o ar, tentando acertar Gabriel,
que desviava do corte com maestria.
Se afastou,
esperando o próximo ataque dos demônios, o da direita que investiu, tentando
enfincar a adaga no peito de Gabriel. Ele agarrou a mão do demônio e levantando
rapidamente a perna, quebrando com facilidade o seu braço, derrubando sua adaga
no chão. Levou a cabeça para trás, no tempo suficiente para desviar de mais uma
investida que tentava mata-lo. Empurrou para trás um demônio, e fazendo um
sinal com os braços lançou o outro ao chão.
— Vocês já
deram trabalho demais. — disse Gabriel pegando a adaga derrubada pelo demônio.
— Está na hora de acabar com vocês.
E com a adaga
perfurou o peito do demônio que teve o braço quebrado, o sangue caia, manchando
de rubro seu casaco branco, matando-o. O demônio que foi jogado no chão se
levantou rapidamente criando mais uma adaga, pronta para atingir Gabriel. No
impulso gritei:
— Gabriel
cuidado! — Ele foi tão rápido quando fui para observar. Retirou a adaga fazendo
jorrar sangue, e se virou lançando a pedra certeira na cabeça do demônio, que
só pode arregalar os olhos, esboçar um gemido, levantar a cabeça e cair para
trás, morto.
Tudo parecia
tranquilo naquele momento, até mesmo o frio, antes intenso, agora parecia menos
cortante. Meu coração batia ritmicamente em meu peito, minha respiração
ofegava. Menos de um minuto atrás eu pensava que minha vida chegaria ao fim.
Gabriel fechou
os olhos, e respirou profundamente.
— Quem eram
aqueles homens que nos atacaram? — perguntei, desejando fugir mais que
rapidamente daquele maldito parque.
— São demônios,
provavelmente da guarda real do Inferno, alguns são mais leais ao rei do que ao
deus deles. Um problema...um grande problema.
— E para onde
vamos agora?
— Te levarei
até perto de sua casa, eles provavelmente ordenaram alguns demônios para te
proteger lá. Mas não poderei te escoltar até lá dentro. Não seria bom se eles
achassem que você tem qualquer envolvimento com anjos.
Eu pensava o
mesmo que o Gabriel, eu não queria ter qualquer envolvimento com anjos ou
demônios, em meio a lutas e mortes eu ainda preferiria a minha vida normal de
estudante.
De repente tudo
mudou. Sem nenhum aviso os ventos começaram a soprar muito mais forte, a neve
caia cada vez em maior número e a única conclusão que eu chegava era que uma
tempestade de neve estava começando. A cidade onde eu morava havia sofrido
muitas iguais a essa nas últimas semanas, desde o início do inverno, em algumas
delas, a força da tempestade foi tão grande que as escolas tiveram que cancelar
as aulas, aeroportos pararam suas atividades e muitos moradores desapareceram,
sendo encontrados dias depois, congelados e enterrados em montes de neve.
Estar na rua no
meio de uma nevasca era muito perigoso, mas isso só não era pior do que ver na
sua frente explosões brancas, que cuspiam gelo e friagem para todos os lados,
tornando pior a percepção do que estava acontecendo.
Senti a mão de
Gabriel em meus ombros, me abaixei e vi que no mesmo lugar que as explosões
tinham acontecido, alguns homens haviam se materializado, eram outros demônios,
vindos com a mesma vontade assassina dos outros que Gabriel matara há poucos
minutos.
— Temos um
problemão garoto. — Gabriel mantinha os olhos fixos nos homens. — Belial veio
pessoalmente dessa vez, e não veio sozinho.
Do lugar em que
eu estava era difícil ver, principalmente pela neve que batia em meus olhos e
atrapalhavam, mas do pouco que era visível percebi que um dos demônios usava
roupas pretas. Eles vinham caminhando em nossa direção.
— Fique aqui. —
disse Gabriel — Se eu mandar você correr você corre. Ok?
Assenti com a
cabeça.
Gabriel se
levantou, sacou uma adaga que tinha pegado anteriormente e foi caminhando
lentamente em direção aos demônios, que se aproximavam.
— Gabriel seu
enxerido. — disse uma voz cortante. — Eu não acredito que você esteja fazendo
isso. Roubar ele de mim. — disse apontando em minha direção e balando
negativamente a cabeça. — Eu achava que os anjos não faziam essas coisas, não
eram vocês que viviam falando sobre pecados.
— O que você
quer com isso Belial? — questionou Gabriel com autoridade. — Por que está
atacando o filho do seu mestre?
— Esse merdinha
ai, agora parece inocente, mas você não sabe o poder que está oculto dentro
dele, será um grande problema quando aprender a controla-los. Eu avisei ao
Lúcifer que isso era má idéia, tentei convencer os outros duques, mas como bons
puxa sacos concordaram com tudo que o Diabo queria. E eu sabia o porquê. Eles
não queriam se ajoelhar a mim por muito tempo, alguns deles até falam em
consagra-lo como rei do inferno, rei do inferno? Esse projeto de demônio?
Enquanto Eu tento manter aquela zona funcionando, enquanto eu sou o verdadeiro
rei.
Belial falava
com uma ira aparente, parecia gritar em algumas partes.
— Então para
evitar problemas futuros — continuou Belial. — O matarei nessa noite, e colocarei
a culpa em você. Duvido que alguém não acredite, é a história perfeita, depois
de Miguel, você é o único anjo que eles temem realmente, é claro, sem contar os
anjos da morte que devem colocar medo até em Deus.
Os demônios ao
lado dele riram junto a Belial. Gabriel permaneceu estático, o olhar focado nos
demônios, a expressão quase mortal, os braços tremendo, olhou em minha direção,
fazendo minha espinha gelar pelo olhar quase mortal que ele lançava.
— Jimmy corra
diretamente para sua casa. Não pare em lugar nenhum!
Permaneci
parado por alguns segundos, Gabriel assentiu para mim, olhei uma última vez
para os demônios e corri para longe dali o mais rápido que meus pés puderam
permitir.
— Atrás dele. —
bradou Belial a seus comandados. — Vão, agora!
— Não! — gritou
Gabriel lançando suas mãos para frente fazendo os demônios caírem ao chão. — Insulte
ele de novo seu demônio miserável! Insulte Deus de novo!
Olhei novamente
e vi Gabriel correndo na direção de Belial, a adaga em punho e uma vontade
assassina transbordando no peito.
***
Corri. Corri
como nunca corri antes. As ruas desertas eram o cenário perfeito para uma fuga
desesperada. Corria com mais intensidade, queria chegar a casa para contar ao
meu pai tudo que acontecera no meu dia. Ele com certeza ficaria fascinado.
Meu Pai era um
famoso escritor de livros de terror, seus livros de maior sucesso envolviam
exatamente anjos e demônios. Ele era fascinado pelo assunto, e com certeza
gostaria de ouvir meus relatos fantásticos.
Cruzei uma rua
e entrei em uma avenida, paralela a minha rua, logo à frente. Muitos carros
estavam parados, pessoas estavam fora dos automóveis olhando para um carro
amassado logo à frente. Um carro preto, modelo esportivo, especialmente caro e
desejado por pessoas que queriam ou precisavam impressionar, como dizia meu
pai, ironicamente o modelo de carro que ele escolhera comprar.
De súbito um
pensamento invadiu minha mente. Seria aquele o carro do meu pai?
Corri
transpassando os curiosos, rapidamente cheguei perto do local do acidente. A
visão fez minhas tripas se contorcerem, e todas as minhas células gritarem em
uníssono.
Meu pai estava
deitado no chão, sendo ajudado por uma equipe de paramédicos. Tinha a roupa
branca manchada pelo rubro do seu sangue, o rosto não era visível, uma das
pernas parecia estar esmagada.
Corri
desesperado em sua direção. Um dos policiais me agarrou impedindo que eu
chegasse a ele.
— Me deixa
passar. — disse empurrando o policial para me soltar.
— Jimmy? —
perguntou uma voz fraca, que atraiu a atenção de todos. Era meu pai. — É você?
O policia
deixou que eu passasse percebendo que eu era o filho da vitima do acidente.
Cheguei perto.
— Filho fiquei
preocupado com você, já que não tinha chegado, a nevasca me preocupou ainda
mais, então sai para te procurar... e então — mais uma pausa em que ele tossiu
fortemente. — Bati o carro... mas que bom que você está bem, filho... que bom
que você está bem.
Sua voz foi
ficando cada vez mais fraca até cessar. Ele fechou os olhos.
Meu mundo
desabou em uma única tarde de inverno. A noite mudaria não apenas minha vida,
mas o futuro de todo o mundo, e até mesmo de todo o universo.
***
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