domingo, 11 de maio de 2014

[Conto] O Inimigo Sombrio: Capítulo 1 - Ice Dreams.

Esse é o primeiro conto publicado aqui no site, aproveite o início dessa série de contos de várias partes, essa eu chamo de "O Inimigo Sombrio". Comentem e aproveitem:


Capítulo 1: Ice Dreams

Você deve saber quem eu sou, deve saber o que eu fiz, e agora saberá o porquê eu fiz. Tudo começou bem antes de eu nascer, num tempo em que as chamas e a loucura ainda não tinham destruído a humanidade. E foi nesses tempos que enganações e mentiras foram ditas, tempos em que tudo parecia ser obra do destino. Na época em que sonhos ainda me acompanham durante a noite, na época em que eu podia confundir um sonho com pesadelo, e nesse pesadelo tudo o que eu ouvia era passos.

 ***

Passos abafados se bem me lembro, cortando a escuridão e passando pela neve que cobria as ruas e becos. O homem corria mais rápido e mais rápido, sem olhar para trás. As sombras da noite gemiam e gritavam pelo seu nome, mas ele não se incomodava, e apenas continuava em frente. As sombras pareciam ter vontade própria e o seguiam em direção ao nada.
Cruzou uma rua e bateu contra a parede de um beco, mas mesmo aquilo não o fez parar, nem esboçar nenhuma reação.
— Tudo o que você consegue fazer é correr Frederick? Nada disso adiantará. — disse uma voz fria e cortante, vinda da escuridão.
O homem não se abalou e continuou sua corrida, passando por entre becos e casas, cortando a cidade gélida e escura. Após cruzar mais uma rua deu de frente a uma casa. Essa casa não parecia diferente de nenhuma outra, estava coberta por gelo, luzes e pela estranha sensação de paz que parecia não fazer mais parte daquele mundo.
O homem correu e entrou violentamente na casa, batendo contra a porta. Lá viu uma mulher deitada na cama, ao seu lado um homem alto, de cabelos loiros e olhos azuis, olhos que demonstravam um profundo horror, que era transmitido também por sua voz.
— Padre Frederick, que bom que o senhor veio. É a minha mulher, ela não está bem senhor, ela está gravida, ajude ela, meu Deus. Não sei o que aconteceu, ela começou a falar coisas estranhas.
— Deixe-me vê-la. — disse o padre se aproximando da mulher deitada. — Alicia, você está bem?
A mulher apenas o encarou com o semblante calmo.
— Você acha que eu estou bem, Frederick? — disse a mulher rindo sinistramente, sua voz era um misto de ódio e ironia.
— Quem é você? — indagou o padre se afastando e sacando um pequeno frasco do seu bolso.
— Você sabe muito bem quem eu sou — respondeu a mulher. Frederick brandiu o frasco contra ela, molhando seu rosto com um liquido incolor. — Água benta? Você acha mesmo que isso fará algo em mim?
E com apenas um aceno de mão, uma força invisível lançou Frederick para trás, sendo jogado brutalmente no chão. O homem loiro correu para ajuda-lo.
— Onde pensa que vai? — perguntou a mulher acenando para o homem loiro. — Você não irá a lugar algum, amorzinho.
O homem de cabelos dourados foi sinistramente puxado para trás, batendo com força contra a parede. Frederick se levantou e correu, tropeçando nas próprias pernas e antes de chegar à rua, caiu em meio à neve. Dali só pode ouvir os gritos vindos da casa e ver, como numa visão profética, centenas de homens com asas douradas avançando em rasante do céu para a casa, enquanto dezenas de seres encapuzados levantavam as suas lanças, aguardando a batalha.
— O que você faz aqui fora? — perguntou aquela mesma voz fria e cortante, vinda da escuridão.

 ***

De qual escuridão, não sei ao certo. Mesmo tendo o mesmo pesadelo por todas as noites, aquilo ainda me assustava, a escuridão ainda me assustava. Não só pela falta de luz, mas também pelas coisas que se escondem na escuridão. Como os vultos que via no meu quarto quando eu acordava de meus pesadelos. “Isso deve ser apenas sua imaginação” dizia meu pai, mas ainda sim aquilo me inquietava. Não há como saber o que está verdadeiramente escondido nas sombras.
Não havia nenhuma explicação lógica para se ter o mesmo pesadelo todas as noites. Já tinha consultado vários especialistas e nenhum deles conseguia entender como alguém podia ter o mesmo sonho repetido por quinze anos, ou pelo menos desde a idade em que consigo lembrar-me de meus sonhos.
Tirando os estranhos pesadelos, eu era o que podia se chamar de um garoto normal. Eu ia à escola, saia com meus amigos (sim, era possível coisas desse tipo naquela época), e gostava muito de escrever, meu pai disse que faria bem escrever, principalmente sobre meus sonhos, “isso ajuda no tratamento” ele dizia. De qualquer forma, foi naquela época que eu parei de escrever sobre meus sonhos, porque foi nessa época em que parei de sonhar.

 ***

Era um dia comum e eu voltava para casa tranquilamente, tão tranquilamente que só fui perceber o que estava acontecendo quando já era tarde demais. Primeiro ele se aproximou, vindo rapidamente em minha direção, olhei para trás e só pude ver um homem pálido, os cabelos negros e varridos se espalhavam pelo seu rosto.
— Ei garoto. — ele me chamou. Estávamos no meio de um bosque, um jardim imenso que cortava a cidade, nas laterais do caminho, havia apenas árvores sem folhas e gelo. — Preciso falar com você.
Virei-me encarando-o, ele estava a cinco metros de mim.
— Que quer comigo?
— Muitos não querem que eu faça isso, mas é seu direito, não é? — a sua voz era fria e cortante, como a que me assombrava durante os sonhos. — Preciso lhe contar um pequeno segredo, garoto...um segredo sobre seu pai.
— Um segredo sobre meu pai? — perguntei incrédulo.
— Sim, um segredo sobre seu nobre pai. Responda-me, você acha que eu temo você? — indagou enquanto se aproximava. — Eu te fiz uma pergunta.
Eu não entendi o que aquele maluco estava dizendo, queria fugir, mas não fui rápido o suficiente para desviar de sua mão que agarrou o meu pescoço me levantando no ar, a sensação de fraqueza tomou conta do meu corpo, o ar não entreva nos meus pulmões, minha voz não saia e minhas apenas tremiam sem esboçar nenhuma força.
— Você acha que roubará meu trono garoto? — disse apertando mais ainda meu pescoço fazendo minha visão embaçar, enquanto sacudia violentamente sua mão. — Você não terá essa sorte.
Em meio à visão embaçada pude ver algo sair da floresta e saltar em direção ao homem, que me soltou na mesma hora.
— Olha só quem está aqui. — disse o homem pálido, encarando o recém-chegado. — Por que você não vai embora e deixa-me resolver o meu problema.
— Seu problema? — perguntou o homem que havia chegado. — Esse é o meu problema agora.
E com um salto para frente lançou um soco que atingiu o homem pálido no rosto com muita força, fazendo-o cair para trás. Eu não podia ficar ali parado no meio daquela loucura toda e apenas levantei e corri, fugindo daquele lugar.
Então veio a explosão. Primeiro senti um ar gélido cobrindo meu corpo, caminhando pela minha espinha até meus pés, fui jogado no chão e tive meu rosto coberto pela neve que estava ali. Tentei me levantar, mas não fui rápido o bastante.
— Não tente fugir garoto, será inútil. Você poderá ir depois, agora temos que conversar.
E sem escolha eu virei. O dia estava perto de seu fim, uma brisa gélida cobriu meu rosto, a luz ia se esvaindo e a escuridão vinha cobrindo o céu. E foi nesse dia em que eu parei de ter sonhos. Porque eles passaram a se tornar realidade, uma realidade fria e sombria coberta de trevas, como nos sonhos gelados.
Continua...

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