Esse é o primeiro conto publicado aqui no site, aproveite o início dessa série de contos de várias partes, essa eu chamo de "O Inimigo Sombrio". Comentem e aproveitem:
Capítulo 1: Ice Dreams
Você deve saber quem eu sou, deve saber o que eu fiz, e
agora saberá o porquê eu fiz. Tudo começou bem antes de eu nascer, num tempo em
que as chamas e a loucura ainda não tinham destruído a humanidade. E foi nesses
tempos que enganações e mentiras foram ditas, tempos em que tudo parecia ser
obra do destino. Na época em que sonhos ainda me acompanham durante a noite, na
época em que eu podia confundir um sonho com pesadelo, e nesse pesadelo tudo o
que eu ouvia era passos.
Passos abafados se bem me lembro, cortando a escuridão e
passando pela neve que cobria as ruas e becos. O homem corria mais rápido e
mais rápido, sem olhar para trás. As sombras da noite gemiam e gritavam pelo
seu nome, mas ele não se incomodava, e apenas continuava em frente. As sombras pareciam
ter vontade própria e o seguiam em direção ao nada.
Cruzou uma rua e bateu contra a parede de um beco, mas mesmo
aquilo não o fez parar, nem esboçar nenhuma reação.
— Tudo o que você consegue fazer é correr Frederick? Nada
disso adiantará. — disse uma voz fria e cortante, vinda da escuridão.
O homem não se abalou e continuou sua corrida, passando por
entre becos e casas, cortando a cidade gélida e escura. Após cruzar mais uma
rua deu de frente a uma casa. Essa casa não parecia diferente de nenhuma outra,
estava coberta por gelo, luzes e pela estranha sensação de paz que parecia não
fazer mais parte daquele mundo.
O homem correu e entrou violentamente na casa, batendo
contra a porta. Lá viu uma mulher deitada na cama, ao seu lado um homem alto,
de cabelos loiros e olhos azuis, olhos que demonstravam um profundo horror, que
era transmitido também por sua voz.
— Padre Frederick, que bom que o senhor veio. É a minha mulher,
ela não está bem senhor, ela está gravida, ajude ela, meu Deus. Não sei o que
aconteceu, ela começou a falar coisas estranhas.
— Deixe-me vê-la. — disse o padre se aproximando da mulher
deitada. — Alicia, você está bem?
A mulher apenas o encarou com o semblante calmo.
— Você acha que eu estou bem, Frederick? — disse a mulher
rindo sinistramente, sua voz era um misto de ódio e ironia.
— Quem é você? — indagou o padre se afastando e sacando um
pequeno frasco do seu bolso.
— Você sabe muito bem quem eu sou — respondeu a mulher. Frederick
brandiu o frasco contra ela, molhando seu rosto com um liquido incolor. — Água
benta? Você acha mesmo que isso fará algo em mim?
E com apenas um aceno de mão, uma força invisível lançou
Frederick para trás, sendo jogado brutalmente no chão. O homem loiro correu
para ajuda-lo.
— Onde pensa que vai? — perguntou a mulher acenando para o
homem loiro. — Você não irá a lugar algum, amorzinho.
O homem de cabelos dourados foi sinistramente puxado para
trás, batendo com força contra a parede. Frederick se levantou e correu, tropeçando nas próprias pernas e antes de chegar à rua, caiu em meio à
neve. Dali só pode ouvir os gritos vindos da casa e ver, como numa visão
profética, centenas de homens com asas douradas avançando em rasante do céu
para a casa, enquanto dezenas de seres encapuzados levantavam as suas lanças,
aguardando a batalha.
— O que você faz aqui fora? — perguntou aquela mesma voz
fria e cortante, vinda da escuridão.
***
De qual escuridão, não sei ao certo. Mesmo tendo o mesmo
pesadelo por todas as noites, aquilo ainda me assustava, a escuridão ainda me
assustava. Não só pela falta de luz, mas também pelas coisas que se escondem na
escuridão. Como os vultos que via no meu quarto quando eu acordava de meus
pesadelos. “Isso deve ser apenas sua imaginação” dizia meu pai, mas ainda sim
aquilo me inquietava. Não há como saber o que está verdadeiramente escondido
nas sombras.
Não havia nenhuma explicação lógica para se ter o mesmo pesadelo
todas as noites. Já tinha consultado vários especialistas e nenhum deles conseguia
entender como alguém podia ter o mesmo sonho repetido por quinze anos, ou pelo
menos desde a idade em que consigo lembrar-me de meus sonhos.
Tirando os estranhos pesadelos, eu era o que podia se chamar
de um garoto normal. Eu ia à escola, saia com meus amigos (sim, era possível coisas
desse tipo naquela época), e gostava muito de escrever, meu pai disse que faria
bem escrever, principalmente sobre meus sonhos, “isso ajuda no tratamento” ele
dizia. De qualquer forma, foi naquela época que eu parei de escrever sobre meus
sonhos, porque foi nessa época em que parei de sonhar.
Era um dia comum e eu voltava para casa tranquilamente, tão
tranquilamente que só fui perceber o que estava acontecendo quando já era tarde
demais. Primeiro ele se aproximou, vindo rapidamente em minha direção, olhei
para trás e só pude ver um homem pálido, os cabelos negros e varridos se
espalhavam pelo seu rosto.
— Ei garoto. — ele me chamou. Estávamos no meio de um
bosque, um jardim imenso que cortava a cidade, nas laterais do caminho, havia apenas
árvores sem folhas e gelo. — Preciso falar com você.
Virei-me encarando-o, ele estava a cinco metros de mim.
— Que quer comigo?
— Muitos não querem que eu faça isso, mas é seu direito, não
é? — a sua voz era fria e cortante, como a que me assombrava durante os sonhos.
— Preciso lhe contar um pequeno segredo, garoto...um segredo sobre seu pai.
— Um segredo sobre meu pai? — perguntei incrédulo.
— Sim, um segredo sobre seu nobre pai. Responda-me, você
acha que eu temo você? — indagou enquanto se aproximava. — Eu te fiz uma
pergunta.
Eu não entendi o que aquele maluco estava dizendo, queria
fugir, mas não fui rápido o suficiente para desviar de sua mão que agarrou o
meu pescoço me levantando no ar, a sensação de fraqueza tomou conta do meu
corpo, o ar não entreva nos meus pulmões, minha voz não saia e minhas apenas
tremiam sem esboçar nenhuma força.
— Você acha que roubará meu trono garoto? — disse apertando
mais ainda meu pescoço fazendo minha visão embaçar, enquanto sacudia
violentamente sua mão. — Você não terá essa sorte.
Em meio à visão embaçada pude ver algo sair da floresta e
saltar em direção ao homem, que me soltou na mesma hora.
— Olha só quem está aqui. — disse o homem pálido, encarando
o recém-chegado. — Por que você não vai embora e deixa-me resolver o meu
problema.
— Seu problema? — perguntou o homem que havia chegado. —
Esse é o meu problema agora.
E com um salto para frente lançou um soco que atingiu o
homem pálido no rosto com muita força, fazendo-o cair para trás. Eu não podia
ficar ali parado no meio daquela loucura toda e apenas levantei e corri,
fugindo daquele lugar.
Então veio a explosão. Primeiro senti um ar gélido cobrindo
meu corpo, caminhando pela minha espinha até meus pés, fui jogado no chão e
tive meu rosto coberto pela neve que estava ali. Tentei me levantar, mas não fui
rápido o bastante.
— Não tente fugir garoto, será inútil. Você poderá ir
depois, agora temos que conversar.
E sem escolha eu virei. O dia estava perto de seu fim, uma
brisa gélida cobriu meu rosto, a luz ia se esvaindo e a escuridão vinha
cobrindo o céu. E foi nesse dia em que eu parei de ter sonhos. Porque eles
passaram a se tornar realidade, uma realidade fria e sombria coberta de trevas,
como nos sonhos gelados.
Continua...
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